segunda-feira, 21 de maio de 2018

Aprendendo a olhar


Passei minha infância e adolescência em Ilhabela, litoral norte de São Paulo. Meus avós tinham uma casa no Perequê, um bairro próximo à balsa. Era um terreno enorme (enorme mesmo, não era apenas minha visão de criança), com uma casa pequena, com 2 quartos, uma varanda com uma mesa comprida, um jardim que ocupava 3/4 da área do terreno, uma casa da caseira e uma edícula com mais 2 quartos. Foi nesse espaço que tomei centenas de picadas de borrachudo, brinquei de acampar no jardim (com direito a fogão a lenha improvisado), fiz guerra de jaca (e tenho terror de jaca até hoje, do cheiro e da sensação daquela coisa gosmenta grudada no meu cabelo), me pendurei nos cipós das árvores do terreno da frente, brinquei de casa mal assombrada numa casa em construção na rua ao lado (é inacreditável nos dias de hoje, mas eu, meu irmão, meus primos e os filhos da caseira ficávamos perambulando pelas ruas sozinhos e inventando brincadeiras que deixariam pais de cabelo em pé) e tantas coisas mais...

Infelizmente a casa foi vendida. Felizmente, quem comprou foi uma escola, que manteve o jardim e até a estrutura da casa principal. Fiquei muito feliz em saber que aquele espaço, onde me diverti tanto, continua sendo aproveitado por muitas outras crianças.

Em 2017 fui com meu marido e filhos para a Ilha e quis matar as saudades da rua, do muro, das árvores, daquele meu pedacinho de infância. Para minha surpresa, estava tudo lá, exatamente como na minha memória. Não posso dizer o mesmo do bairro, porque realmente houve uma transformação por ali, muitas construções novas, muito comércio. Aliás, a ilha toda cresceu muito, mas continua linda e aconchegante. Em alguns aspectos, achei que até melhorou. Agora há um calçadão e uma ciclovia por grande parte da área urbana, parquinhos e aparelhos de ginástica nas praias.

Sofia e Tomás adoraram a viagem. Ficaram um pouco tensos com a primeira travessia de balsa. Depois, ficaram ainda mais na volta... não com a travessia, mas com a fila de 6 horas para entrar na balsa! Acabamos atravessando e dormindo em São Sebastião para que todos se recuperassem e pudessem ter energia para pegar estrada no dia seguinte (não era esse o plano inicial, mas acabou sendo gostoso). As crianças não sofreram com os famosos borrachudos (todos focaram apenas em mim, tomei picadas pela família toda...), amaram o mar tranquilo, sem ondas e fizeram descobertas que eu, mesmo após dezenas de idas à ilha não havia feito.

Não sei porque, mas minha família não tinha o hábito de ir além da "Praia do Sino", que fica na parte Norte da ilha. Em nosso passeio por lá, as crianças adoraram ouvir o som de sino saindo das pedras, mas a diversão mesmo começou quando cruzamos a minha barreira de infância e fomos em direção às praias seguintes... Praia do Oscar, Praia do Pinto, Armação. Quem nos levou para essa aventura em praias desconhecidas foi minha prima, Martha, que conhece cada pedacinho da ilha.

Martha ensinou os caminhos para chegar às praias, mostrou curiosidades no meio da mata (como aquela plantinha "dorme dorme", que você encosta o dedo e ela se fecha), entrou com as crianças no mar e nos ensinou a enxergar tartarugas. Ela disse:

- Olhem bem pro mar, prestem atenção e vocês vão perceber que está cheio de tartarugas. As pessoas nem percebem, porque não imaginam que é possível ver. Mas se você olhar com atenção, aprende a achá-las.

Foi o que fizemos. Todos concentrados olhando para o mar e, que emoção, lá estavam elas, lindas! Muitas tartarugas!!!! 

A vida é incrível. Podem demorar 40 anos, pode ser necessária uma dica especial da prima 13 anos mais nova, mas as coisas simples e lindas da vida estão por aí, basta uma mudança na forma de olhar ...