segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

Uma noite com Zé Celso

Há um mês mais ou menos o Giva comentou, com empolgação, que iria começar uma temporada de "Roda Viva", inicialmente no Sesc Pompéia e depois no Teatro Oficina. Como fazia muito tempo que não íamos ao teatro (nos jogamos 100% em shows nos últimos tempos), decidi fazer uma surpresa...Comprei um par de ingresso e dei de presente de Natal. Ele amou, ficou super animado. Eu fiquei feliz em ter acertado no presente, mas, confesso, estava extremamente receosa com as 3:30 de espetáculo. Não pelo tempo de peça, mas por serem 3:30 nas mãos de Zé Celso.

E ontem, penúltimo dia do ano, lá fomos nós.

Foi a primeira vez que entrei no Teatro Oficina e tive a certeza imediata que, mesmo se me arrependesse pela peça, já valeria a experiência de estar ali. O lugar é quase indescritível, só estando lá para entender realmente. Um galpão comprido e estreito, com uma estrutura metálica que vai do chão ao teto, cheio de escadas fixas e retráteis, uma iluminação muito bacana. O público vai procurando um espaço para sentar... bancos, cadeiras, pufes e até mesmo em parte do cenário... O camarim e a contra-regra estão no meio da platéia. Atores se trocam em nossa frente entre uma cena e outra. Na maior parte das vezes não tem figurino mesmo.. Como falta ar condicionado, encenar nu é mesmo a melhor opção.

Giva falou:

- Nossa, que coisa louca, nunca vi nada assim! Com atores subindo por escadas, passando no meio do público, se trocando em cena...
- Eu já vi... algumas vezes... - e comecei a contar rapidamente de algumas peças muito diferentes que já assisti.
- Nossa, que demais! Você é foda!

Achei engraçado o comentário. Hoje acordei pensando nisso e com uma certeza: não sou foda. Sou privilegiada. Foda são meus pais, que me levaram (ou toparam minhas sugestões e me acompanharam) em muitas peças de todos os estilos, em praticamente todos os teatros de São Paulo.

Nos anos 90 eu vivia teatro. Ia toda semana, lia todas as reportagens que encontrava sobre o assunto (lembrando que não existia internet, então era um trabalho de garimpo em jornais, revistas e livros) e fiz cursos de teatro. Eu era aquela maluca que assistia uma, duas, três vezes a mesma peça. Além disso eu guardava os folders, os ingressos, as críticas, organizava tudo em pastas catálogo, lia, relia... Me arrependo de ter me desfeito de todo esse material muitos anos depois, achando que era bobagem manter aquilo tudo...

Ontem, antes mesmo de ter uma opinião sobre a experiência no Teatro Oficina, tive a certeza de que era um momento importante, me fez lembrar com clareza e emoção de algumas experiências marcantes:

1. "Tamara", em 1992, com direção de Roberto Lage, com Celso Frateschi, Cassio Scarpin e outros. Fui com minha mãe. A peça acontecia em um casarão em Campos Elíseos. Era necessário escolher no início do espetáculo um dos atores para seguir durante toda a peça. Detalhe: a história rolava ao mesmo tempo em todos os aposentos do casarão, inclusive no banheiro, com um ator tomando banho (eu estava lá...rs). Ao final da primeira parte, era servido um jantar, durante o qual tínhamos a oportunidade de conversar com outras pessoas da platéia e tentar descobrir o que aconteceu na história através de outros pontos de vista. 

2. "Pantaleão e as Visitadoras", com direção de Ulisses Cruz, no Teatro Mars. em 1991. Acho que fui com minha mãe... Lembro do visual do espetáculo, de dezenas de atrizes nuas por toda parte, da estrutura do teatro, que tem semelhanças com a movimentação de cena do Teatro Oficina.

3. "O Concílio do amor", em 1989, com direção de Gabriel Villela, no Centro Cultural São Paulo. Fui com meu pai e depois com minha mãe, se não me engano. Foi minha primeira ida ao porão do Centro Cultural. Fiquei encantada com aquela ocupação de espaço, com o texto impactante e com interpretações incríveis, como o Diabo vivido por Jairo Mattos. Queria voltar no tempo e assistir pela 3ª ou 4ª vez (não tenho certeza de quantas vezes fui)

4. "A Gaivota", em 1994, direção de Francisco Medeiros, no Centro Cultural São Paulo. Quando li que mais uma peça estava sendo montada no porão do Centro Cultural fiquei maluca para assistir. Novamente saí impactada com o aproveitamento de espaço... o cenário de J. C. Serroni ocupava 2.000 metros quadrados do espaço do porão do CCSP, utilizando como piso as telhas de concreto usadas na construção do Centro. Os atores corriam em cena, pisando entre as telhas cheias de vãos. Era tenso e incrível. Para completar, texto de Tchecov interpretado por Walderez de Barros, Marco Ricca, Genezio de Barros (Trigórin)... Estive lá umas 4 vezes...rs

5. Para finalizar, embora minha lista ainda seja extensa, "Perdoa-me por me traíres", do meu favorito, Nelson Rodrigues. A montagem, de 1994, aconteceu no Indac (escola de teatro), com alunos do próprio curso e direção de Marco Antonio Bras. A peça acontecia numa sala da casa do Indac, onde o público sentava praticamente dentro do "palco", vivenciando de forma intensa aquela história maluca e deliciosa, com trilha sonora que tinha até Beatles. Fiquei tão encantada com a atriz Flavia Pucci, que interpretava o Tio Raul, que, algum tempo depois, fiz um curso com ela, na mesma escola. Na mesma época, li e reli tudo do (e sobre) Nelson Rodrigues.

Enfim, o que tive a certeza ontem é que no fundo não importa se ao final de 2 horas (ou 3:30) você diz "nossa, amei!"... Teatro não é só isso. Não se trata de gostar ou não gostar. O que aquela experiência causou? O que te deixou de memórias? Ou, no caso de ontem, pra mim, que memórias te trouxe de volta?

Pessoalmente não amo o estilo Zé Celso... me cansa um pouco a falta de nexo, suas viagens extensas (as 3:30 realmente não são necessárias ao meu ver), mas é muito interessante vivenciar aquela encenação quase folclórica que acontece no Teatro Oficina, cheia de estrangeiros numa platéia 100% lotada (lembrando que era 30 de dezembro, com SP "vazia"). Na montagem de ontem senti um excesso de clichês em tudo, me fez falta um texto mais profundo, à altura de "Roda Viva", mas não há como desmerecer Zé Celso ou não respeitar sua história, sua convicção em um estilo de teatro e, claro, o trabalho de toda aquela equipe, eles realmente se entregam por completo. 

Posso dizer que me diverti ontem. Principalmente ao tentar buscar uma palavra para definir tudo aquilo... Não há um adjetivo comum que defina uma noite com Zé Celso...Dessa forma, não encontrei nada melhor do que o seguinte:

"HORTIFRUTIGRANJEIRO" *

* Era assim que ouvia, na minha infância, uma ex-professora, amiga da minha mãe (e minha!), se referir a coisas muito, muito loucas, às quais nenhum adjetivo comum cabe bem... Bettina Bopp, dei muita risada lembrando de você ontem! 

TEATRO OFICINA