terça-feira, 24 de abril de 2018

Memórias a pino


É curioso como algumas situações fazem nossa memória trabalhar e trazem de volta momentos escondidos lá no fundo do baú. Hoje, o que ativou minha memória foi um programa que adoro, da Radio Eldorado, o Som a Pino, apresentado por Roberta Martinelli. A produção do programa está preparando um especial chamado "Memórias a Pino", que será feito com histórias dos ouvintes relatando um momento de suas vidas marcado por uma música.


Roberta Martinelli, do Som a Pino

Comecei então a pensar no assunto e percebi que minha vida é toda "musicada". Não tenho UMA história, mas dezenas delas (calma! Não vou contar todas aqui, podem continuar lendo), com várias músicas como trilha sonora. Dessas dezenas, notei que Chico Buarque e Vanessa da Mata estão no meu ranking top 10 de histórias.

Nasci em 1976, mesmo ano do lançamento do disco "Meus Caros Amigos", de Chico Buarque. A primeira faixa do disco fez literalmente minha cabeça desde bebê. Bastava que "O que será" tocasse e eu balançava a cabeça de um lado para o outro no ritmo da música. É o que me contam... não vou mentir... não tenho lembranças de ter feito isso, mas acredito, porque adoro essa música até hoje.

Alguns anos mais tarde, eu já devia ter uns 12 anos, "O que será", e todas a outras do mesmo disco, marcaram minhas férias chuvosas na praia. Eu estava em Ilhabela com minha mãe, meu irmão e uma amiga, a Paula Andrade (mulher de verdade, como a gente sempre brincava. Pensem numa pessoa divertida...ela é muito!!!!). Choveu sem parar por dias seguidos e ficamos em casa enclausurados. O disco "Meus Caros Amigos" deve ter sido tocado umas 20 vezes (além de outros do Chico, pois ele é sem dúvida o super favorito da minha mãe há anos) embalando nossas muitas tardes e noites jogando baralho enquanto a chuva caía lá fora. 

As músicas não marcam apenas momentos felizes... 

Infelizmente, Chico marcou minha vida, vejam a ironia, com a música “Tatuagem". Ela tocava bem na hora em que sofri um acidente bem feio de carro, há 15 amos, numa estrada. Fiquei um tempo sem ouvir essa música, mas a "tatuagem" que tenho na memória, me dá a certeza de o quanto fui privilegiada em sair de um acidente, de perda total do carro, viva, sem um arranhão. Ah! Detalhe curioso: isso aconteceu dois dias antes do meu aniversário. O bombeiro que me socorreu, ao olhar meu RG, falou: "menina, você já ganhou seu presente".

Nos anos seguintes, Chico continuou na trilha sonora da minha vida, mas os fatos marcantes em minha memória regatada hoje foram todos com Vanessa da Mata ao fundo.

O mais inesquecível, não pelo fato em si, mas pela repetição dele, foi ao som de "Amado". Uma das minhas músicas favoritas da Vanessa da Mata foi a escolhida para tentar fazer a Sofia dormir quando era bebê. Eu amamentava, trocava a fralda e ela não dormia... lá ia eu ligar o som e dançar um pouquinho cantando "Amado". Sofia gostou e dificultou o meu trabalho para colocá-la para dormir diariamente. Só dormia ouvindo essa música (e às vezes todas as outras do cd para meu desespero). 

Pra encerrar o tema, uma memória "musicada" que me marcou muito foi, de novo, com Vanessa  da Mata cantando Sabiá. De quem? Olha ele de volta: Chico Buarque. Dessa vez, com Tom Jobim, para ficar mais maravilhoso. 

A tarde era linda, num parque, projeto Nívea (um projeto com shows anuais, gratuitos, com um artista homenageado. Naquele ano, Tom Jobim), repertório maravilhoso, Vanessa da Mata cantando, meu marido junto comigo... Tudo já suficientemente emocionante para mim. Eu estava feliz, cantando e aproveitando aquele momento especial quando os primeiros acordes de uma música me deram "um nó na garganta", tentei segurar as lágrimas que teimavam em sair sem controle e sem economia... Em vão... me acabei. Vanessa cantava "Sabiá" e eu chorava loucamente, aos soluços. Meu marido ficou assustado, perguntou por que eu estava tão emocionada. A resposta? Não consegui dar. Não soube explicar, não sei explicar ainda. Como diz Chicó, do Auto da Compadecida (Ariano Suassuna), "não sei, só sei que foi assim". 

E chorei de novo com "Sabiá", na semana passada, quando Chico Buarque cantou em seu show. 

Com lágrimas, com risadas, a música está sempre presente. Não tem explicação (nem tem que ter!) o que faz o momento ser especial para cada um. Acredito que não precisa fazer sentido, a gente sente, fica marcado e pronto. Cada um com seu repertório, cada um em um nível de intensidade. Eu sou pisciana, meu nível é sempre o extra alto...com direito a lágrimas e até soluços.



Sabiá 
Chico Buarque e Tom Jobim

Vou voltar!
Sei que ainda vou voltar
Para o meu lugar
Foi lá e é ainda lá
Que eu hei de ouvir
Cantar uma Sabiá...

Vou voltar!

Sei que ainda vou voltar
Vou deitar à sombra
De uma palmeira que já não há
Colher a flor que já não dá
E algum amor
Talvez possa espantar
As noites que eu não queria
E anunciar o dia...

Vou voltar!

Sei que ainda vou voltar
Não vai ser em vão
Que fiz tantos planos
De me enganar
Como fiz enganos
De me encontrar
Como fiz estradas
De me perder
Fiz de tudo e nada

De te esquecer...