domingo, 9 de junho de 2013

E você, qual herança deixará?

Ela tem 14 anos. Estuda no Colégio Santa Cruz, em SP. Seu nome é Mariana e ela abre mão da herança que lhe é destinada.

Explico.

Hoje, domingo de sol, acordei cedo, não para passear, mas sim, juntar-me a algumas centenas de pessoas que não tem conseguido mais conviver apáticas com a cruel realidade de nossa cidade. Todos (poucos, muito poucos para a gravidade dos fatos) reuniram-se em frente ao Colégio Rainha da Paz, num manifesto organizado por parentes de uma vítima, o dentista Alexandre Gaddy, queimado durante um assalto em seu consultório em José dos Campos. 

Os casos se multiplicam a cada dia, com toques de crueldade cada vez mais surreais, praticamente saídos de um filme do Quentin Tarantino. Porém, o que acho mais inacreditável e inadimissivel em tudo isso é que não há um governante que se manifeste, que coloque ordem nesse caos. Não temos prefeito, governador, presidente? A impressão que dá é de que moram em outro país, outro planeta e aparecem por aqui apenas na hora das eleições. E ainda conseguem ser eleitos! Enquanto isso, estamos por aqui, sozinhos, acuados e desunidos.

O que me mobilizou a sair cedo da cama hoje não foi ser ouvida por algum governante, não tinha essa ilusão. Mas queria compartilhar, com aquelas pessoas que ali estavam, a dor que estou sentindo, a vontade de dar outro rumo para essa história.

Bom, e nesse contexto tive o prazer de conhecer Mariana. Não a conheci diretamente, mas estava em sua frente, ouvindo suas palavras. 


"Minha mãe era bastante próxima dele (Alexandre Gaddy), desde a época da escola, quando estudavam juntos no Colégio Rainha da Paz , e acho que foi por isso que essa história me tocou tanto. Sei lá, as vezes a gente ouve as notícias da televisão ou do jornal, e elas passam quase que despercebidas, porque você nunca espera, ou pelo menos tenta negar, que aquilo esteja tão próximo de você e da sua família. Lógico, porque a maioria das pessoas que eu conheço tem segurança na porta de casa, moram em condomínio, andam de carro blindado, etc. Realmente, pra que se preocupar com o que acontece fora do seu mundo quando você está tão confortável e aparentemente isento desses perigos?


Não nego que faço parte desse grupo, aliás, seria uma mentira dizer que em muitos momentos da minha vida eu me distanciei dessa grande “comunidade”. Mas o que eu percebi nessa última semana, e principalmente na terça-feira quando minha mãe chegou em casa após o velório e enterro deste grande amigo, é que esse é o mundo que nós mesmos construímos. É muito fácil estar conversando com alguém e de repente perceber que a conversa tomou um rumo de catástrofes. E é nesse momento que você começa a ouvir as pessoas falarem: “Não, realmente, o Brasil está se tornando um lugar péssimo para viver”, “isso é um absurdo, a violência em São Paulo está acabando com a segurança que antes existia”. Sim, é um absurdo. Mas do que adianta? Você fala que está ruim e o que mais? Faz o que pra mudar isso?

Eu acredito, não sei se é muito otimismo da minha parte, que o problema não está nas pessoas. Porque em relação à minha geração, por exemplo, a sensação que eu tenho é que esta questão da violência já está praticamente naturalizada dentro das nossas cabeças. Acontece que, de tanta catástrofe, atrocidades, violência e morte que ouvimos, começamos a achar que é normal e necessário conviver com isso. 

Ontem minha mãe disse o seguinte para mim e para os meus irmãos: “Esse é o mundo que fica para vocês”. Foi essa fala que me marcou muito, porque de verdade, não é dessa maneira que eu quero ter uma vida. Pode ser que hoje eu não perceba isso, mas daqui uns anos, quando eu entrar em uma faculdade, talvez começar a trabalhar, eu não quero ser uma pessoa que carrega medo, que carrega preocupação, angústia, e acho que todos aqui também não. 

Pensando no que é possível mudar em nossa sociedade, os velhos amigos de escola que estudaram com o Gaddy, organizaram uma manifestação em prol da paz. Realmente, uma iniciativa muito solidária e digna. O que eu pensei é que os jovens que deveriam se mobilizar, pois afinal, é nesse mundo de carros blindados, muros e câmeras que queremos viver? "


Mariana me emocionou e me deu esperança. 

Assim como aconteceu com ela, torço para que muitas outras pessoas comecem a reagir, recusando essa infeliz herança que lhes está sendo deixada. Uma cidade triste, apática, doente.

Balões soltos durante o protesto